domingo, 30 de março de 2014

O golpe


O Comício da Central do Brasil, tema do post anterior, teve grandes repercussões no país. Claro que os grupos dominantes rejeitaram as propostas de Jango. Parece que, entre todos os direitos conseguidos pela população após a Revolução Francesa, o que é mais prezado pela elite é o da propriedade privada. Assim, quando Goulart propôs a reforma agrária, a nossa elite decididiu pela golpe.
Durante o governo de Jango, o golpe já estava sendo orquestrado, principalmente por duas instituições extremamente antidemocráticas: o IPES (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática - por mais estranha que esta palavra possa parecer).
Os generais ficaram vinte anos no poder
Outra parcela que deu efetivo apoio foi a classe empresarial, principalmente a mídia. A “Folha de São Paulo” de 16 de março de 1964 condenava a reforma agrária sem indenizações. O mesmo jornal em 20 de março dizia “Ontem, São Paulo parou. E foi à praça pública - porque 'a praça é do povo' - numa mobilização que envolveu meio milhão de homens, mulheres e jovens, tambem de outros Estados: a 'Marcha da Família com Deus pela Liberdade'”. Que grande maldade com Castro Alves...
A capa do jornal "Folha de São Paulo"
um dia após a "Marcha com a família"
As “Marchas da Familia com Deus, pela Liberdade”, que recentemente foram reeditadas, com a adesão de meia dúzia de filhas de generais que recebem polpudas pensões, merece um destaque – negativo, diga-se de passagem. Com o patrocínio do IPES e do IBAD, as marchas ocorreram, na data de 19 de março, em várias cidades brasileiras. Foram organizadas por entidades de mulheres católicas e repudiavam o “comunismo”, seja lá o que isso significasse para elas. Como reuniram milhares de pessoas, ajudaram muito a desestabilizar o governo de João Goulart.
O medo do comunismo era muito forte. Ou ainda, o incentivo ao medo. Na marcha do dia 19 em São Paulo o senador padre Calazans disse em discurso: "Hoje é o dia de São José, padroeiro da familia, o nosso padroeiro. Fidel Castro é o padroeiro de Brizola. É o padroeiro de Jango. É o padroeiro dos comunistas.”. Assim como no post anterior, lembro que estávamos em plena Guerra Fria. Cuba, a URSS e o comunismo eram inimigos a serem combatidos. “Ah – dirão alguns – mas e se viesse o comunismo?”. Primeiro: não existe “se” em história. Segundo: as mudanças propostas por João Goulart não apontavam para o comunismo, mas para alterações sociais, muitas delas baseadas das ideias do membros, ou ex-membros, do PTB como Fernando Ferrari e Leonel Brizola. O verdadeiro medo era das reformas de base que, que entre outras medidas, limitariam os lucros das empresas multinacionais, o que evidentemente não lhes seria interessante, promoveriam a reforma agrária e mudariam os padrões de ensino. Isso soa familiar de alguma maneira. Curioso que ainda hoje discutimos os problemas dos sem-terra e educação.
O motivo alegado para os militares como o estopim começou em 25 de março. Ocorreu uma reunião dos marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, apoiando as reformas e exigindo melhores condições. O ministro da Marinha considerou uma insubordinação e mandou que todos fossem presos. Mas Goulart anistiou-os no dia seguinte. Em 31 de março, foi convidado de honra e compareceu a uma festa na Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, o que foi considerado ofensivo. Em resposta, o general Olympio Mourão partiu de Minas Gerais com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro para o golpe, apoiado por governadores dos principais estados brasileiros.
O golpe não foi apenas militar, mas também civil. Se não fosse o apoio de parte da sociedade civil, não teria ocorrido. Apenas o governador de Pernambuco, Miguel Arraes do PSB ficou ao lado de Jango. E apenas um grande jornal apoiava o governo de Goulart, a “Última Hora”, de Samuel Wainer. Por isso é que é possível chamar o golpe de civil-militar. Políticos da oposição como Carlos Lacerda e Adhemar de Barros foram grandes artuculadores do golpe.
Na charge do cartunista Santiago, a ironia com os militares
e com a expressão "revolução" para se referir ao golpe.
Revolução significa mudança e os militares e civis que
os apoiaram tomaram o poder justamente para impedir
que as mudanças ocorressem,
Mas quando chegaram ao poder, os militares não quiseram mais largar o osso. Por vinte anos, os presidentes foram generais, ditadores e eleitos indiretamente. Direitos públicos e particulares foram jogados no lixo. A oposição foi perseguida e calada. E quem ainda defende o golpe ou a ditadura militar, que dê uma lida no livro “Brasil: Nunca Mais”. Aos que dirão que este texto emitiu muito a opinião do autor, respondo que sim, emitiu. Mas em alguns momentos, temos que nos posicionar. Não é possível ignorar os crimes da ditadura e toda a ilegalidade existente no processo do golpe.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Comício da Central de Brasil


Capa do jornal Última Hora,
um dos únicos que apoiava Jango,
no dia seguinte ao comício
Em 13 de março de 1964, o então presidente do Brasil, João Goulart, discursava no famoso comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Essa data acabou constituindo um marco tanto na história dos direitos das camadas populares brasileiras como na dos golpes e da ausência de democracia. Pretendo a partir daqui contar o golpe militar, que, em 2014, completa 50 anos.
Desde o início de seu governo, três anos antes, Jango enfrentou forte oposição. Para começar, em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou, o então vice quase foi impedido de assumir a presidência. Sua posse só foi garantida graças à cadeia da Legalidade, levada a cabo por Leonel Brizola desde o Rio Grande do Sul e a um acordo o Brasil adotaria o parlamentarismo, diminuindo o poder presidencial. Isso só seria desfeito em 1963, graças a um plebiscito.
Como sabemos, o Brasil sempre foi um país muito marcado por profundas desigualdades sociais. Goulart herdou uma nação com uma série de problemas econômicos, devidos à política que Juscelino Kubitcheck – JK – implantou, que enfatizava a produção nacional, mas ligada ao capital estrangeiro. JK era membro do PSD, que possuía setores conservadores em suas fileiras. Jango era ligado ao PTB, que se aproximava cada vez mais dos setores populares.
Aqui cabe um aparte: apesar do termo populismo atualmente ser pejorativo, ele não necessariamente deve ser visto assim. Na verdade, os governos populistas atenderam a demandas e a necessidades das classes trabalhadoras, representando uma aliança de interesses, que culmina na emergência destas no cenário político nacional. Também devemos compreender como um fato situado em seu tempo: entre os anos 40 e 60 na América Latina. Assim, é possível considerar Jango um populista. Claro que os governos que dão atenção a classes populares são comumente classificados assim. Mas acredito que isso não é depreciativo. Afinal, o que é mais importante do que governar para a maioria?
E como se daria a participação das classes populares na política brasileira? Para Goulart, a resposta seria as Reformas de Base. Seriam medidas que modificariam as estruturas econômicas e sociais brasileiras. Reformas bancária, fiscal, urbana, tributária, eleitoral e agrária, algumas delas ainda necessárias no Brasil de hoje.
Contudo, as tentativas de mudanças só foram possíveis após 1963, quando do retorno do presidencialismo. Logo após o plebiscito, Jango propôs o Plano Trienal, que buscava combater a inflação. Mas tanto os setores de direita como os de esquerda rejeitaram a ideia. Era chegada a hora de Jango escolher entre estes dois lados, que estavam cada vez mais atuantes. E as Reformas de Base marcaram a opção de Jango, afirmando os compromissos com as esquerdas e com a população.
Além de atender às necessidades das população mais necessitada, as Reformas de Base visavam a um nacionalismo econômico, o que desagradava os setores empresários brasileiros e estrangeiros. Devemos recordar que em 63 e 64 vivíamos o auge da Guerra Fria. Toda a proposta mais à esquerda era vista como “comunismo” e aproximação da União Soviética.
Quando João Goulart subiu no palco do comício na Estação Pedro II, a Central do Brasil, ele dava um passo sem volta. Escolhia o caminho das esquerdas, das mudanças agora. O lugar não foi escolhido em vão. É pela Central do Brasil que passa boa parte da população do Rio Janeiro, afinal, é a mais importante estação ferroviária da cidade e parada dos trabalhadores que moram nas periferias, mas trabalham nas regiões centrais. O comício foi para os trabalhadores que vivem com um salário mínimo, que sempre foram prejudicados pelos governos até então.
No seu discurso, Jango clamou pela justiça social, única maneira de se encontrar a paz social. Afirmou estar do lado dos operários, camponeses e aqueles que apoiassem as reformas. Assinou ali mesmo a encampação de refinarias de petróleo, divulgou o decreto que criava a Supra (Superintendência da Reforma Agrária), que inclusive desapropriava algumas terras e prometia encaminhar ao Congresso as propostas para realizar as reformas, modificando a Constituição.
Vários grupos políticos lotavam a Central do Brasil e apoivam Jango: a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas, a União Nacional dos Estudantes (UNE), apoiadores da legalidade para o Partido Comunista do Brasil (PCB), apoiadores da candidatura de Leonel Brizola para a presidência no próximo ano.
Naquela sexta-feira 13, parecia que o Brasil seria diferente. Parecia que desigualdade social no país
Goulart discursa na Central do Brasil
estava prestes a diminuir. Para a maioria dos brasileiros, a sexta-feira 13 de março de 1964 não foi de terror, mas de esperança de um futuro melhor - ou mais justo, ao menos.
Acredito na hipótese de que o Comício foi o ápice do populismo no Brasil (sem nenhum caráter pejorativo ao termo). Desde a Era Vargas, desde a criação de CLT – as leis trabalhistas – que as mudanças no Brasil para os trabalhadores não eram tão significativas. A opção de Jango foi um crescente de apoio para os mais necessitados por parte dos governantes, que em contrapartida participavam como nunca do cenário político nacional.
Acredito que se as Reformas de Base vingassem, o Brasil seria outro hoje em dia. Mas não sou futurólogo, nem adivinho. Infelizmente, Jango e as reformas foram barrados pelo golpe. Por enquanto, estamos à espera de algumas mudanças profundas, que são necessárias, mas ainda não vieram.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Adeus Madiba


Acabei de ler na internet, mas não acreditei. Tive que ligar o rádio para confirmar: Nelson Mandela faleceu. Talvez, para as novíssimas gerações essa notícia não tenha muito significado. Mas para nós, que vivemos os idos dos anos 90, Mandela extremamente importante. Um modelo de político e de como fazer política. O homem que lutou contra o repulsivo regime de apartheid sul-africano, um cidadão por quem todos nós torcemos que tivesse sucesso. Ainda lembro da sua chegada ao poder na África do Sul após anos de um sistema racista e excludente.
A África do Sul teve uma colonização europeia relativamente cedo. Desde o século XVII os holandeses da Companhia das Índias Orientais já se instavam ali. No século seguintes, expandiram suas terras e formaram os boeres, camponeses no idioma batavo. Eram portanto, fazendeiros. Tornaram-se extremamente segregacionistas e criaram um grupo próprio: os afrikaaners, com um idioma próprio. Mas os ingleses também tinham interesse na região, o que gerou uma série de disputas sobre a região, sendo a principal dela a Guerra dos Boeres entre 1899 e 1902. O principal interesse em jogo era o ouro da região do Transvaal, onde fica a cidade de Pretória. Em 1910, num contexto de partilha da África, os ingleses e os afrikaaners entraram em acordo, estabelendo o Domínio da África do Sul, uma região que fazia parte do Império Britânico, mas tinha administração autônoma. Ali criou-se um regime segragacionista, no qual os negros que eram 75% da população podiam ter apenas 7,3% das terras.
Em 1948 a África do Sul ficava independente dos ingleses. Era o início do regime aparheid oficialmente. A partir de 1959 o governo racista sul-africano cria os bantustões. Bantustão era o nome dado a reservas de terras nas quais os negros teriam um autogoverno. Ou seja, o objetivo era isolá-los cada vez mais do convívio com os brancos ingleses e afrikaaners.
A resisência ao segregacionismo por parte dos negros sempre existiu. Em 1912 foi criado o Congresso Nacional Africano (CNA), que em princípio, buscava um diálogo com os boeres, o que mostrou-se inviável. A partir dos anos 40, principalmente durante a Segunda Guerra, foram organizadas greves mostrando a insatisfação com o racismo e a exclusão.
É nesse contexto que surge a figura de Mandela, destacando-se ao lado de Oliver Tambo como um dos líderes do CNA. Em 1959 houve uma divisão no CNA, surgindo o Congresso Pan-Africanista, que em 1960 organiza um protesto na cidade de Shapeville contra a lei que limitava o número de trabalhores negros em áreas exclusivas dos brancos. Claro que foi duramente reprimido e as duas organizações são postas na ilegalidade.
Devido a essa situação,o CNA cria um grupo armado, o mK. Em 1963, Mandela é preso e a luta contra o regime de apartheid arrefece. Some-se a isso a existência de regimes excludentes em países vizinhos, como a Namíbia e o alto investimento estrangeiro, que explorava a mão-de-obra barata na região.
A África do Sul tornou-se um dos países mais ricos do mundo, mas os negros viviam na miséria. Nos bantustões não havia nenhum tipo de serviço ou de assistência, o que provocou uma saída em massa dessas regiões. Sem ter para onde ir, acabaram se instalando nas perifierias das grandes cidades sul-africanas, formando verdadeiros guetos, já que não podiam habitar os bairros brancos. Em 1976 houve um levante num desses guetos em Johannesburgo, no lugar conhecido como Soweto, sigla para South West Township. No episódio morreram cerca de 600 pessoas, o que comoveu o mundo. Para muitos jovens de Soweto, a figura de Mandela era importante, como um ícone da luta contra a repressão e o isolamento.
A partir do massacre do Levante de Soweto, o investimento de capitais estrangeiros passou a diminuir no país, até que na década de 80, houve um boicote internacional. Várias revoltas explodiram entre 1984 e 1987, mas o então presidente Pieter Botha não negociava nada com a CNA, considerando-a ilegal, ainda que tenha dado algumas concessões econômicas aos negros.
Em 1989 Franklin De Klerk chega ao poder na África do Sul. Em 2 de fevereiro de 1990, anuncia a legalização da CNA e do Congresso Pan-Africanista, além da libertação de Nelson Mandela e de outros presos por motivos políticos. Uma nova Constituição foi criada entre 1991 e 1992, reunindo 200 pessoas de 19 partidos distintos. No ano de 1992, De Klerk chama a minoria branca para um referendo no qual, decide-se pela continuação das negociações para o fim do aparheid.
Em junho de 1993 é decidido que haveria eleições em abril do ano seguinte. Nelson Mandela foi eleito e pela primeira vez na África do Sul, a maioria escolheu o seu líder. O caminho até o fim do aparheid foi longo e tortuoso e entre 1992 e 1994 houve episódios de violência de brancos com os negros. Apesar disso, Mandela foi muito hábil em costurar um novo país, não baseado na vingança por anos de segregação, mas pela perspectiva de um novo futuro.
Mandela foi uma liderança rebelde dentro da África do Sul contra um regime extremamente racista, por entender que a violência era a única forma de resistir e protestar contra tal repressão. Ficou preso por quase quarenta anos em virtude disso e tornou-se o maior líder do seu país e um dos maiores estadistas do século XX. Apesar dos anos de prisão, Mandela comandou a África do Sul buscando inserir negros e brancos em um só país. Destaca-se o papel de sua esposa, Winnie Mandela, que quando seu marido esteve preso, foi um das vozes mais atuantes contra o regime e pela libertação de Madiba.

Bibliografia:

VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analucia Danilevicz. Breve história da África. Porto Alegre, Leitura XXI, 2007.

Mazrui. Ali A. Mazrui e Wondji. Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília, UNESCO, 2010. Disponível para download.

MACEDO, José Rivair (org). Desvendendo a história da África. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2008.

HOBSBAWM,Eric. Era dos Extremos. São Paulo, Ed.Cia, das Letras, 1995.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Impérios. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1998.

domingo, 17 de novembro de 2013

Tabuleta velha, Tabuleta nova – Proclamação da República no Brasil


Já é célebre a passagem do romance de Machado de Assis, Esaú e Jacó, em que o personagem Custódio, dono de uma confeitaria, mandou que se fizesse uma placa com o nome do estabelecimento “Confeitaria do Império”. Ocorre que a tabuleta foi pintada no dia do “Baile da Ilha Fiscal”, o último suspiro do Brasil Monárquico. Para Custódio, não pegava bem manter o nome antiga. Após cogitar “Confeitaria da República”, ou “Confeitaria do Catete”, optou por algo mais simples: “Confeitaria do Custódio” mesmo.
O episódio denota o que foi o processo da proclamação da república no Brasil, um golpe militar sobre o imperador D. Pedro II. É correta a afirmação de que o monarca vinha sofrendo pressão para o fim do Império de vários setores da sociedade, entre eles, o Exército. Esta era a Força Armada desprezada e mal paga. Mas com a Guerra do Paraguai, o Exército profissionalizou-se, cresceu de importância. Dentro das Academias Militares como a Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, cresciam as ideias republicanas, sobretudo ligadas ao positivismo de Augusto Comte. Já escrevi aqui mesmo no blog uma porção de vezes sobre o positivismo, mas cabe lembrar, que segundo essa doutrina, a República seria a mais perfeita forma de governo e último estágio na evolução de uma sociedade. Junte ao Exército, disputas entre a Igreja e o Estado em virtude do fato de vários ministros serem maçons, num momento em que o papa proibiu a maçonaria para os membros de ordens religiosas. Some ainda setores da burguesia cafeeira paulista, ligados ao Partido Republicano Paulista (PRP), defensores de uma maior descentralização política. A crise econômica deflagrada desde 1875 só piorava a situação.
Assim, formavam-se grupos com diferentes sugestões para o futuro do Brasil, livre do imperador. O grupo dos militares positivistas, que entediam que o governo deveria ser forte e centralizado; o grupo dos cafeicultores paulistas, que defendiam a autonomia para as províncias e um terceiro, conhecido como “jacobino”, formado por profissionais liberais e intelectuais do Rio de Janeiro que apoiavam uma maior participação do povo na República. Mas como derrubar o regime monárquico? Havia três propostas, cada uma ligada a um grupo: os barões do café paulista defendiam um processo lento, através de eleições para o legislativo que teriam deputados republicanos eleitos em maior número, realizando uma transição. Os militares positivistas acreditavam que deveria ser obra do Exército, que teria o poder para tanto. Por fim, os jacobinos viam uma revolução popular como o melhor caminho. Claro que a opção ficou por conta dos setores elites dominantes da sociedade brasileira.
Representação da Proclamação da República
em 15 de novembro de 1889, no Campo de Santana,
cidade do Rio de Janeiro. O evento teve alto valor simbólico,
mas não modificou a realidade social brasileira
Os fatos de 15 de novembro de 1889 foram apenas um empurrão para acabar com a Monarquia, um governo que vinha balançado faz muito tempo. A rigor, a Proclamação da República foi um golpe militar, e no princípio impôs-se um governo de exceção. A responsabilidade do cargo de presidente caiu sobre o marechal Deodoro da Fonseca, articulados da queda de D. Pedro II. Entre 15 de novembro de 1889 e 24 de fevereiro de 1891, o novo mandante governou sob decretos-leis num Governo Provisório. Em 1891 ficou pronta a Constituição republicana e o governo passava para Floriano Peixoto, que já havia afastado-se do positivismo.
A nova Constituição foi elaborada por deputados ligados às oligarquias locais, que defendiam uma maior autonomia para as provínciais. Mas o novo regime tornou-se rapidamente elitista e distante da participação do povo. As revoltas populares do início da República foram devidamente massacradas.
Sobre a Proclamação da República, é famosa a frase de Aritides Lobo de que “o povo assistiu aquilo bestializado”, ou seja, a margem, longe do processo. Para o habitantes das zona pobres do país, que sempre foram maioria, tanto faz se quem governa é o imperador ou o presidente. Para a maioria da população, a situação não mudou.
Mas era necessário adaptar-se aos novos governantes, ou no mínimo reconhecê-los. Era preciso dançar conforme a música. Costúdio tinha sua confeitaria no bairro da Glória, na rua do Catete, onde ficava o Palácio do Catete, sede do governo republicano. Para Custódio, seria um grande problema, afinal, ainda que não significasse grandes mudanças, a população só tinha como opção apoiar o novo regime. Custódio tinha que mudar o nome na tabuleta da confeitaria para continuar sobrevivendo naquele sistema que agora era apresententado. A própria opção de “Confeitaria do Custódio” reflete o quanto importava a República: era melhor um nome neutro do que um tendencioso.
Evidente que os fatos ocorridos em 15 de novembro de 1889 foram importantes em sua época. Mas as mudanças foram muito pequenas. Mudaram mais tabuletas do que estruturas sociais.
Bibliografia:
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Edusp, 2006.
CASTRO, Celso. A Proclamação da República. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.
TREVISAN, Leonardo. A República Velha. São Paulo, Global editora, 2001.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O primeiro 11 de setembro – golpe no Chile


Onze de setembro é uma data trágica. Além do ataque às torres gêmeas de 2001, foi a data de mais um dos tantos golpes militares na América Latina. O Chile teve seu presidente constituicionalmete eleito, Salvador Allende, há quarenta anos. Vendo o mapa, percebemos que o Chile é um país que estende-se por boa parte da costa oeste da América do Sul, sendo banhado pelo Oceano Pacífico e tem em Santiago sua capital. Também percebemos que é um país muito rico em minérios, uma das bases de sua economia.
Salvador Allende
Allende venceu as eleições para presidência chilena em 1970 pelo Partido Socialista, na coalizão Unidade Popular, que contava com o apoio de diversos grupos políticos de esquerda Partido Comunista e o Partido Social-Democrata. A eleição de Allende apontava para uma via democrática, não revolucionária, para o socialismo. A “experiência chilena” parecia ser uma novidade bastante representativa, na medida em que mostrava-se como uma maneira inédita para chegar no socialismo.
Mas dentro da Unidade Popular havia diversos debates sobre como alcançar o socialismo, dado ao grande leque de grupos de esquerda, que estavam acostumados a proposta da revolução armada como meio para tomada de poder. Mesmo assim, algumas medidas importantes foram tomadas, como a nacionalização da mineração do cobre.
Quem não estava simpatizando com as medidas de Allende era a elite local, o Exército e claro, os EUA. Em 1972 houve sabotagem da produção e greve dos motoristas de caminhão, o que gerou escassez dos meios de consumo. Foi criada uma sensação de ausência de governo e a pressão sobre Allende era fortíssima.
Em 11 de setembro de 1973 uma Junta Militar liderada por Augusto Pinochet, que fazia parte do gabinete de ministros do país até então, exigiu a renúncia de Allende e a entrega do cargo às forças armadas chilenas. Como o presidente
Pinochet e a Junta Militar
eleito negou-se, a Força Aerea Chilena bombardeou o Palacio de la Moneda, sede do governo do Chile. O Exército cercou o local e ao invadir, Salvador Allende foi encontrado morto. A versão oficial aponta para suicídio.
Os norte-americanos deram apoio militar e financeiro ao golpe, com a concordância do presidente Richard Nixon e do secretário de Estado, Henry Kissinger.
Os dias seguintes ao golpe foram extremamente violentos. Tanto é que o número de morto é controverso. Dados mais recentes apontam para 40 mil mortos durante a ditadura, que durou até 1990. Sendo que a maioria foi morta no início. Foram criados verdadeiros campos de concentração, estádios como o Estádio Nacional e o Estádio do Chile tornaram-se grandes centros de tortura e morte.
Palacio de la Moneda, sede do governo
cercado pelo Exército chileno
Muitos dos exilados brasileiros, da ditadura que havia se iniciado por aqui em 1964, foram perseguidos pelo governo de Pinochet. Relatos como o de Fernando Gabeira em “O que é isso companheiro?” ou de João Carlos Bona Garcia em “Verás que um filho teu não foge à luta”, dão conta da realidade antes e depois do golpe. Como fugitivos da ditadura brasileira e militantes de esquerda, foram recebidos de bom grado pelo governo de Allende. Depois do golpe, viram-se novamente perseguidos, dessa vez pela ditadura chilena. A colaboração entre os regimes autoritários sul-americanos durante os anos 70 foi chamada de Operação Condor e contava com a troca de prisioneiros políticos.
A ditadura chilena durou até 1988, quando ocorreu no país um plebiscito para decidir se Pinochet continuaria no comando do país. As alternativas eram SI “sim” ou NO “não”. O NO venceu com 56% dos votos.

domingo, 2 de junho de 2013

Os desaparecidos da Argentina



Um dos assuntos mais em voga na América Latina costuma ser a ditadura argentina. Só nos últimos tempos, foi notícia a morte de Rafael Videla, ditador do país entre os anos de 1976 e 1981 e a suposta colaboração do atual papa, Francisco I, ou Jorge Mario Bergoglio com o regime. E isso não é em vão, pois o regime foi o mais cruel e sangrento entre os seus semelhantes na América do Sul. Presume-se cerca de 30 mil mortos entre os anos de 1976 e 1983.
A História recente argentina é marcada por essa ferida. O século XX argentino, ainda que tenha sido muito complicado, tem grande semelhança com a História brasileira. Entre 1945 e 1955, o país foi governado por Juan Domingues Perón, num sistema muito parecido com o populismo de Vargas. Um Estado forte, intervencionista e corporativo garantia o apoio das massas para Perón. Com isso, formou-se uma disputa interna entre peronistas e antiperonistas, estes defensores do liberalismo econômico, uma espécie de UDN local.
Nesse contexto, surgiram divisões inclusive entre os peronistas, uns à esquerda e outros à direita, principalmente nos anos 60 e 70. A esquerda peronista englobava inclusive grupos armados como o Ejército Revolucionário del Pueblo (ERP) e o mais importante movimento revolucionário argentino, os montoneros. Segundo tais grupos, o peronismo seria um caminho para o socialismo. Já na direita estavam defensores de uma ditadura centralizada, com muita semelhança ao fascismo, lembrando que Perón abriu os braços argentinos para a vinda de nazistas após a guerra, o que demonstra, no mínimo grande simpatia para com o regime.
Perón: do populismo argentino
nos anos 40 e 50 a perseguição
contra a esquerda nos anos 70
Em 1973, Perón voltou e venceu as eleições para presidente. Ao mesmo tempo, distanciou-se dos setores esquerdistas do peronismo, perseguindo-os, o que acendeu a ação dos grupos como a ERP e os montoneros. Mas Perón morreu em julho de 1974, deixando o cargo de presidente com sua esposa, agora viúva, Isabel Perón. Seu governo foi desastroso. Instaurou-se o caos no país, com um cenário complicadíssimo. A economia estava quebrada; os grupos armados faziam diversas ações e sofriam forte repressão, principalmente de uma organização paramilitar surgida dentro do governo o triplo A (Alianza Anticomunista Argentina) somados com o fraco governo de Isabel Perón possibilitaram o golpe militar de 24 de março de 1976.
Mas os militares que tomaram o poder através de uma junta não queriam apenas acabar com a confusão que estava a Argentina. Queriam extirpar toda a qualquer oposição, ou melhor, eliminar todos os que não concordassem com seu regime. Na Junta assumiram o General Jorge Rafael Videla, o Almirante Emilio Massera e o Brigadeiro Orlando Agosti, chefes das três Forças Armadas, sob o controle do primeiro.
A partir daí, houve uma repressão nunca antes vista na Argentina. Foi uma ação de terrorismo de Estado que consistia em quatro momentos: o sequestro, a tortura, a prisão e a execução, cada um com características próprias.
O sequestro era ao mesmo tempo secreto e ostensivo. Secreto, pois eram feitos com carros não identificados como oficiais. Ostensivo, pois ainda que fossem geralmente de noite, nas casas das vítimas, tinham a colaboração das autoridades e eram feitos para que todos ficassem sabendo. Junto a isso, vinha a pilhagem e o saque dos bens do indivíduo.
Após, estes eram levados para centros de tortura, onde ocorriam agressões físicas e psicológicas das mais diversas e imagináveis. O objetivo era além de tirar informações,
Videla entregando a Copa do Mundo de 1978
para Passarela, capitão da Seleção Argentina.
A Copa de 78 serviu para legitimar a ditadura
e dar apoio popular para o regime a exemplo
do que ocorreu com o Brasil em 1970
degradar a pessoa. Havia cerca de 400 centros de tortura como a famigerada Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA). Os que sobreviviam à tortura, ou podiam ser liberados, ou vistos como elementos “perigosos”.
Esses perigosos eram levados para a “viagem”, ou seja, para execução. Os corpos podiam ser jogados nas ruas, como se fosse a represália a alguma ação; enterrados em valas comuns que a própria vítima cavava antes do fuzilamento, ou jogado no meio do oceano de um avião.
Ainda que a pena de morte fosse legal na Argentina, ela não atingiu nenhum preso na época, a exemplo do Brasil. Por isso que a Ditadura não contabilizou os “mortos”, mas sim os “desaparecidos”. Foi uma verdadeira chacina. A maioria das 30 mil mortes ocorreu entre 1976 e 1978. Em geral, eram jovens, entre 15 e 35 anos, compreendendo guerrilheiros, militantes políticos, sociais, mas também qualquer um que se opunha ao regime.
Entre os presos e torturados havia mulheres grávidas que tinham seus filhos na prisão. Muitos bebes eram raptados, com suas mães mortas, e entregues para outras famílias, que adotavam-nas ilegalmente, mas sob vista grossa do governo. Até hoje, na Argentina, muitos jovens descobrem que não são filhos de quem pensam que são. Estima-se que cerca de 500 crianças tenham sido raptadas de suas mães.
Na economia, o governo da ditadura buscou derrubar o Estado de Bem-Estar social, intervencionista, que vigorava desde os anos 30 e que tinha a marca das ações peronistas. O ministro da economia durante a ditadura, Martínez de Hoz, tinha em 1976 uma profunda crise na Argentina e via esta intervenção do Estado como a culpada.
O governo proibiu os sindicatos, congelou os salários, tentou a estabilização monetária, privatizou empresas estatais e buscou empréstimo junto a bancos internacionais como o FMI. Formaram-se grandes oligopólios econômicos que concentravam boa parte da renda e da produção do país. Claro que a tentativa de estabilizar a moeda a partir de uma valorização do peso foi totalmente virtual. O peso acabou sendo desvalorizado, e com as taxas de juros liberadas, a especulação tornou-se maior que a economia real. Os gastos do governo só aumentavam e em 1982 a Argentina encontrava-se em profunda crise econômica e com uma pesada dívida externa.
Claro que esse cenário contribuiu e muito para crescer a insatisfação com o governo militar.
Protesto das Mães da Praça de Maio: a denúncia de crimes
contra os direitos humanos resultou numa pressão contra
a ditadura militar na Argentina
Junto a isso, havia a pressão de grupos internacionais e nacionais e denunciavam a violação aos direitos humanos e os diversos crimes da ditadura. Um exemplo é as Mães da Praça de Maio, composto pelas mães dos desaparecidos, que lutavam para saber notícias de seus filhos, protestando na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. Destaca-se também o papel da Avós da Praça de Maio, que buscavam recuperar os bebês raptados pela ditadura e entregues à adoção.
No início de 1982, uma última cartada dos militares para unificar o país ia por água abaixo: a Guerra das Malvinas conta a Inglaterra pelas ilhas Falkland, que já abordei aqui: http://historiaeavida.blogspot.com.br/2012/02/guerra-das-ilhas-malvinas-ou-falkland.html. Ao final, a Argentina foi derrotada e massacrada com 700 mortos Mas essa foi o derradeiro crime da ditadura. Em junho de 1982 o general Gualtieri renunciou e pressionada, a Junta convocou eleições para o fim do ano de 1983.
O vitorioso foi Raúl Alfonsín, que buscou restaurar a democracia na Argentina. No princípio, os argentinos não puniram os crimes do regime militar. Alguns militares foram punidos ainda nos anos 80, porém essas ações tinham como consequências levantes dos militares. Mas a partir da década de 90 houve o fim da impunidade. A partir de brechas encontradas na lei na questão do rapto de crianças e das pilhagens dos bens dos presos, começou a punição dos responsáveis. Os últimos anos dos governos do casal Kirchner também contribuíram bastante para o aparecimento da verdade e o cumprimento da Justiça.
O general Videla por exemplo, foi condenado em 1985 à prisão perpétua. Porém, recebeu do presidente Carlos Ménem um indulto que o liberava. Em 2007, no governo de Nestor Kirchner foi novamente detido, em prisão domiciliar, para ser levado a um presídio no ano seguinte.
Mas quem eram os criminosos na Argentina? Não somente os generais, mas os torturadores, aqueles que auxiliariam os militares. Talvez o filme “O Segredo dos Seus Olhos” dê uma boa dica sobre isso. O excelente filme argentino traz uma discussão sobre o que é a memória argentina sobre o período. Para quem assistiu a excelente obra (quem não o fez, faça-o), o personagem Goméz, assassino no enredo colaborou com a ditadura, sendo agente do regime.
Ao contrário do Brasil, a Argentina puniu seus ditadores e criminosos, como torturadores durante o período da ditadura. Por aqui a anistia “ampla, geral e irrestrita” permite que assassinos do período da ditadura andem entre nós. A punição dos agentes da repressão não se trata de vingança, mas sim de justiça. Eles tinham todo o aparato do Estado consigo contra grupos de jovens muitas vezes mal armados e mal preparados. Por isso que o discurso que era uma guerra, com dois lados que cometeram erros não cola: os crimes da ditadura não têm justificativa, era um lado muito mais forte que o outro e as medidas tomadas pelos agentes da repressão foram extremistas. Na verdade é mais que uma questão de justiça, mas uma questão moral.
Ainda precisamos buscar muitos dados sobre o período, principalmente por parte dos órgãos do governo. Os arquivos do exército devem ser abertos para investigação e pesquisa por aqui. Cabe ainda destacar que no Brasil, como o Estado assumiu as culpas pelos crimes, está pagando a indenização às vítimas. Logo, o fato de as famílias dos mortos e presos receberem dinheiro está mais do que correto, afinal, é a única forma do Estado pagar de alguma forma pelos erros, já que os criminosos não foram condenados por aqui.

Bibliografia
Romero, Luis Alberto. História contemporânea da Argentina. Jorge Zahar Editor Ltda, 2006.

domingo, 19 de maio de 2013

Um passeio no centro – o positivismo através do patrimônio erguido no Centro Histórico de Porto Alegre


Considero que um dos principais elementos do ensino é a vivência, a comprovação e o empírico. Em História podemos trabalhar esses pontos a partir a partir de várias “fontes documentais”. Se tudo aquilo produzido por sociedades humanas do passado pode contar as suas Histórias, então o que foi construído pelos homens também pode nos revelar o passado.
A partir disso, temos a noção de patrimônio histórico. A ideia de patrimônio histórico vem da Revolução Francesa e da necessidade de se construir uma nação. Era necessária fazer a nova pátria francesa, que deveria ter símbolos que a identificassem, sejam eles uma bandeira tricolor, ou a catedral de Notre-Dame. O patrimônio histórico faz parte da nossa memória nacional e local. Afinal, ao que nos remete a Casa Branca, a Torre Eiffel, o Big Ben, ou o Coliseu?
Um simples passeio pelo centro de Porto Alegre pode
contar muito de sua História

E em geral a maior parte desse patrimônio edificado pelo homem encontra-se nos meios urbanos. E não é por acaso. Afinal, a História da Humanidade é marcada por essa transição do rural para o urbano.
E é o centro a parte mais relevante e reveladora de uma cidade. O centro é o coração pulsante, por onde passam milhares de pessoas de vários lugares diferentes. Ali existe a vida humana.
Em Porto Alegre, o centro não é geográfico, ou geométrico, mas histórico. A cidade começou a partir do centro, mas ele não é exatamente no meio dela. Ocorre que apesar de Porto Alegre ter mais de 240 anos, a maior parte do patrimônio histórico data do início do século XX, quando a cidade e o Rio Grande do Sul viviam sob forte influência do positivismo.
O positivismo foi uma doutrina filosófica e social criada pelo francês Augusto Comte em meados do século XIX. Defendia um poder executivo forte, capaz de manter a ordem, para que fosse possível alcançar o progresso. Para tanto, seria importante uma harmonia da sociedade, evitando conflitos entre os grupos sociais. Parece evidente que esta “ideologia” estava ligada a uma elite conservadora, tanto é que um dos lemas do positivismo era “conservar melhorando”, ou seja, trazer o progresso para a sociedade, mas sem alterações sociais.
Comte compreendia a sociedade como um organismo vivo e sua História como uma evolução, cujo ponto máximo seria o Estado Positivo, sob o comando de uma ditadura na forma de República.
O positivismo foi implantado na política rio-grandense por Julio de Castilhos entre 1891 e 1893 com continuidade no governo Borges de Medeiros nos anos de 1898 até 1928. Em Porto Alegre, refletiu-se na administração do intendente (ou prefeito) José Montaury, membro do Partido Republicano Riograndense (PRR), apoiado por Julio de Castilhos e Borges de Medeiros. Montaury era engenheiro e também era positivista, o que se refletiu numa reestruturação do centro da cidade.
Montaury investiu num “embelezamento da cidade”, no padrão estético. Ainda que cauteloso dado o pouco dinheiro disponível, em seu governo foram construídos grandes obras municipais como a Prefeitura (1901), a Biblioteca Pública (1912-1916), a Delegacia Fiscal e o Prédio de Correios e Telégrafos (1913-1914), além de prédios estaduais como o Palácio Piratini e o Arquivo Público do Estado. Para tanto foram contratados engenheiros e arquitetos como os de origem alemã Rudolf Ahrons e Theo Wiedersphan.
Tudo isso, sempre pensado no progresso da capital sul-rio-grandense. Cabe destacar que no início do século XX, Porto Alegre era uma cidade suja, com muitos becos e ruelas. A maioria dos habitantes era composta de pobres e marginalizados. As lideranças viam a necessidade de “varrer” esses cidadãos do centro da cidade, abrindo praças e largas avenidas. Esse processo havia sido em Paris pelo prefeito Hausmann e no Rio de Janeiro, por Pereira Passos, conforme já falei aqui: http://historiaeavida.blogspot.com.br/2012/02/o-bota-abaixo-e-revolta-da-vacina.html. Claro que em Porto Alegre essa prática teve influência do positivismo, afinal, não era interessante para a elite local que a população de “baixo nível” circulasse pelo centro. Para que houvesse progresso, deveria haver ordem, o que, sob o ponto de visto dessa elite, com essas classes subalternas não seria possível.
Um passeio no centro de Porto Alegre pode nos trazer muitas informações sobre a sua história. Assim como em muitas outras cidades. Cada uma tem as suas particularidades históricas, mas quase todas partiram do centro.
Algumas sugestões de lugares para serem visitados, que são ótimas opções para os estudantes conhecerem mais sobre o assunto. É importante que a visita seja guiada e que se elabore um roteiro, caso contrário perderá o sentido. É importante despertar neles o interesse para o significado do que existe no lugar onde eles vivem.
Palácio Piratini, sede do poder executivo no RS:
grande e imponente.
Palácio Piratini – Construído entre 1910 e 1921, a mando de Borges de Medeiros, é a sede administrativa do governador do Rio Grande do Sul. Como o poder Executivo deveria ser hipertrofiado segundo a concepção positivista, o Palácio Piratini é grandioso e imponente. O Salão Principal (Negrinho do Pastoreio) e o hall de entrada possuem o pé direito extremamente alto. Lá dentro nos sentimos como que insignificantes diante do poder, o que era exatamente o objetivo daqueles que o construíram.
Praça Marechal Deodoro, ou Praça da Matriz – é a praça dos três poderes de Porto Alegre, com a sede do Executivo, Legislativo (Assembleia Legislativa) e Judiciário. Ainda tem ao seu redor o Theatro São Pedro, a Catedral Metropolitana e a Biblioteca Municipal. As ruas em volta seguem um esquadrinhamento percebido em muitas cidades coloniais espanholas, com uma praça ao centro, que possui a igreja principal e a sede dos poderes locais. No meio da praça está o Monumento a Julio de Castilhos.
Monumento a Julio de Castilhos – Julio de Castilhos foi o primeiro governador do Rio
Monumento a Julio de Castilhos no
meio da Praça da Matriz, um símbolo
do positivismo
Grande do Sul durante a República, com suas ideias políticas totalmente baseadas no positivismo de Augusto Comte. Um monumento em sua homenagem deveria estar permeado de significados ligados a esta ideia e foi pensado pouco após sua morte no início do século XX.
Em destaque, está o próprio Julio de Castilhos, sentado imponente. Sobre Julio está a figura feminina da República, triunfante. Em frente, guarnecendo a estátua, dois cães, afinal o leão é o símbolo da monarquia, que deveria ser derrotada. A monarquia, aliás, aparece na forma do dragão, rastejando diante de Julio, por ser o símbolo da família real brasileira, Orleans e Bragança. Em uma lateral, aparece novamente Julio de Castilhos, mas envelhecido. Na face sul, um gaúcho montado a cavalo, homenageando o típico representante da terra. Sobre ele, um importante lema positivista “conservar melhorando”.
Biblioteca Pública de Porto Alegre
Biblioteca Pública – lamentavelmente o prédio ainda se encontra em restauro. Mas o lado de fora, a sua fachada representa importantes figuras da história da humanidade, como Júlio César, o que era bastante caro aos positivistas.

Memorial do RS e MARGS – Feitos para serem sede do Correios e Telégrafos e da Delegacia Fiscal, são os melhores exemplos de obras da dupla formada pelo engenheiro civil Rudolf Ahrons e pelo arquiteto Theo Wiedersphan. Construídos entre 1910 e 1913, eram o cartão de visita para quem chegasse na cidade por via do cais do porto. Se o Rio Grande do Sul visava o progresso, então a entrada para sua capital deveria refletir isso. Ainda que a
Imagem de Porto Alegre, foto aérea
da Praça da Alfândega, com o prédio
da Delegacia Fiscal à esquerda e o
prédio de Correios e Telégrafos à direita,
atuais MARGS e Memorial do RS.
arquitetura dos prédios não fosse um reflexo da ideologia positivista, devido ao estilo decorativo, era interessante que o Estado fosse representado nos seus prédios pelo que de novo ou mais contemporâneo havia na arquitetura da época.
Na base do patrimônio histórico está a identidade local construída. Claro que esta identidade é construída por alguns grupos que defendem seus próprios interesses e claro que este patrimônio tornou-se coletivo pertence hoje a todos nós. Os prédios positivistas do centro de Porto Alegre pertencem a nós, porque contam uma importante fase da História do Rio Grande do Sul, da consolidação desse estado. Levar os alunos até estes locais pode ser um bom meio de discutir essa consolidação.
Bibliografia:
PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Espaço, sociedade e cultura: o cotidiano da cidade de Porto Alegre”. in: GOLIN, Tau. História geral do Rio Grande do Sul: República Velha, 1889-1930. Meritos Editora, 2007.
MONTEIRO, Charles. “Urbanização e modernidade em Porto Alegre”. in: GOLIN, Tau. História geral do Rio Grande do Sul: República Velha, 1889-1930. Meritos Editora, 2007.
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Leitura XXI, 2004.
DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. In Cadernos de História do Memorial e Banrisul: A Porto Alegre Positivista. Porto Alegre: Memorial do Rio Grande do Sul, edição online. (Disponível para download).